quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Análise do Plano Tecnológico da Educação

Sob uma óptica crítica
Para análise do PTE sob uma óptica critica escolhi uma dimensão que se relaciona com a distribuição dos diversos equipamentos pelas escolas, nomeadamente a atribuição de computadores portáteis aos alunos. Esta opção deve-se ao facto de ser uma medida actual do PTE, que está na ordem do dia, a qual tem sido alvo de comentários quer nos media, quer no meio escolar. Embora, actualmente não me encontre a trabalhar directamente com os alunos das faixas etárias abrangidos por estas medidas, considero interessante analisar esta medida à luz das teorias criticas do currículo e tecer alguns comentários sobre o facto, baseando-me sobretudo nas leituras efectuadas, já que a experiência pessoal nesta matéria é nula.
Começando por analisar esta medida com base numa das teorias criticas das teorias tradicionais do currículo, creio ser possível afirmar que ela reflecte, em parte, os interesses particulares das classes sociais e dos grupos dominantes. Evidencia a conexão que existe entre currículo e poder, isto é entre a produção, distribuição e consumo de recursos materiais e económicos e a produção, distribuição e consumo de símbolos como a cultura, o conhecimento, a educação e o currículo (este último aspecto bem menos transparente do que o anterior).
Considerando a perspectiva de Apple (Tadeu da Silva, 2000) a escola deve desempenhar um papel relevante na produção de conhecimento, o qual é importante para a economia e a produção. No entanto, este aspecto não se encontra manifesto de uma forma explícita no PTE. Ou seja, para se compreender o currículo temos de formular questões sobre as suas ligações com o poder: que conhecimentos são privilegiados no currículo, quais os grupos sociais que são prejudicados com o forma como este se encontra organizado e como se formam as resistências e oposições ao currículo oficial? Nesta perspectiva é necessário ir mais além do que tomar medidas relacionadas com o apetrechamento técnico das escolas. Obviamente que é um aspecto a considerar, já que os alunos podem sentir-se mais motivados se tiverem à sua disposição ferramentas que facilitem/ apoiem aprendizagens significativas, mas não será o principal, caso contrário havia muitas crianças no mundo que não podiam aprender, dados os limitados recursos que os seus países dispõem. Por outro lado, algumas das nossas crianças vivem em situações familiares tão desesperantes, como a falta de bens essenciais à sobrevivência humana, que a possibilidade de ter um equipamento mais vanguardista, pode ser pouco significativo para eles.
Assim, acreditar que os problemas da educação, nomeadamente os que se vivem na sociedade portuguesa, se podem resolver apenas com esta medida, é, na minha opinião, não conhecer de forma explícita o processo subjacente à aprendizagem. Se as crianças não tiverem adquirido previamente as competências básicas relacionadas com a aprendizagem da leitura e da escrita, certamente que não é, apenas por terem um computador portátil que os seus sucessos escolares vão surgir. Por outro lado, muitas das competências, atitudes e valores que a escola deve procurar transmitir, como sejam o saber estar em sociedade, implicam necessariamente contacto pessoal e interacções humanas, as quais nenhum computador neste momento pode dar ou transmitir (creio eu).
Como diz Bernstein é importante perguntar qual é o papel da escola no processo de reprodução cultural e social (Tadeu da Silva, 2000). De referir ainda que, de certa forma a crítica feita por Giroux às perspectivas dominantes do currículo, podem aplicar-se a esta medida, já que é fundamental o currículo ter em consideração a mediação e a acção humana e não estar determinado apenas pelo que acontece na economia e na produção. Por conseguinte, há que ter em atenção o carácter histórico, ético e político das acções humanas e sociais e do conhecimento, de outra forma podemos estar a contribuir para a reprodução de desigualdades e injustiças sociais.
De assinalar ainda que os professores devem ser vistos como pessoas activamente envolvidas nas actividades da crítica e do questionamento. Para este autor o currículo envolve a construção de significados e valores culturais e considera que o currículo não está apenas envolvido na transmissão de factos e conhecimentos, este é um local onde activamente se produzem e se criam significados sociais, os quais estão ligados a relações de poder e de desigualdade (ibidem).
Porque a escola é um espaço social que pressupõe a existência de aprendizagem significativa e o desenvolvimento de competências, faz sentido analisarmos também esse aspecto do PTE. Isto é, devemos estudar esse documento à luz de questões ligadas às formas de organização do currículo, que conhecimentos este envolve, como é que ele contribui para a ideia do que a Nova Sociologia da Educação designa de “construção social”?
Muitos alunos utilizam as tecnologias de uma forma bastante natural, mas nem sempre o fazem com fins educativos. Cabe, assim, ao professor a tarefa de fazer os alunos entenderem como é que essas tecnologias podem ser usadas para se tornarem uma das ferramentas: i) facilitadoras do seu processo de ensino / aprendizagem e ii) promotoras do desenvolvimento de competências específicas, as quais podem vir a ser úteis para o seu futuro enquanto pessoas pertencentes a uma determinada sociedade.
Considerando o tópico escolhido para esta análise gostaria ainda de referir que a introdução maciça de computadores na escolas vai alterar, de alguma forma, a prática docente. Para que esses equipamentos possam ser efectivamente integrados nos currículos dos alunos implica algumas mudanças nas práticas educativas dos professores. É importante a sua adaptação às inovações que a sociedade vai introduzindo, pelo que o seu papel sofrerá naturais alterações, mas em última instância a sua tarefa será sempre a de proporcionar/criar as melhores condições possíveis para que os seus alunos possam aprender. Como diz Miranda (s/d), na era digital os professores continuam a ter um papel fundamental que se relaciona com a orientação e aconselhamento dos alunos para saberem seleccionar a imensa informação a que podem aceder através das tecnologias. Assim, a utilização de computadores deve ser analisada enquanto ferramentas com características muito específicas, as quais levam-nos a ter de alterar a forma como organizamos os espaços escolares, a forma como organizamos o tempo, mas certamente que os professores não serão por eles substituídos. Implica, no entanto, a alteração de comportamentos mais tradicionais e exige a participação em formações sólidas que ajudem os professores a utilizar de uma forma inteligente as tecnologias existentes nas escolas. De acordo com Miranda (s/d) o uso de tecnologias em salas de aula "não se pode reduzir a uma mera opção organizativa" (p.24). Para que se possa tirar todas as vantagens do seu uso é necessário que os ambientes educativos onde se encontram permitam desenvolver "nos alunos processos de aquisição de conhecimentos que são desejáveis para atingir os objectivos educacionais fixados" (p.25). Creio que esta é uma tarefa do professor.
Assim, a inclusão de TIC no currículo escolar, numa sociedade que vive uma era digital, tem virtudes e pode tornar-se uma mais valia para a promoção da aprendizagem dos nossos alunos, mas só por si não mudará aquilo que é fundamental numa escola - promover a aprendizagem de todos os alunos. Considero por exemplo importante criar condições sociais para que os nossos alunos possam estar disponíveis para a aprendizagem. Para além desta questão social essencial há outras questões práticas que precisam de ser resolvidas, como seja o facto de em algumas regiões do país existirem frequentes cortes energéticos, a Internet funcionar de forma muito lenta... Como usar pedagogicamente muitas dessas tecnologias nessas circunstâncias?. Assim, o choque tecnológico que até contempla dimensões importantes na sua concepção, deve implicar a aplicação de outras medidas igualmente relevantes, devendo a sua inclusão no currículo ser analisada de forma critica e numa base construtivista.
Gostaria de salientar ainda uma outra virtude do PTE a qual se relaciona com o facto de criar oportunidades para que todos os alunos (independentemente da sua classe social de proveniência) possam ter acesso às tecnologias. Para muitas delas pode ser mesma a única oportunidade. Pena é que este esforço não seja acompanhado por medidas idênticas noutras áreas da política, como seja a área social.
Considero igualmente oportuno ter em consideração os possíveis efeitos negativos quando se utiliza de forma exagerada, diria talvez obsessiva, computadores e outras tecnologias no nosso dia a dia. Como tudo na vida é importante encontrar um equilíbrio, neste caso entre o uso das tecnologias como ferramentas que podem ser colocadas ao serviço do processo de aprendizagem dos nossos alunos e as abordagens que envolvem a interacção em situações reais, pois o ser humano é um ser social por excelência e precisa de contacto e de exercício físico para se sentir bem ...
Penso que os professores podem desempenhar também um papel significativo na supervisão destas situações, em conjunto com as famílias. Ajudar os jovens a reflectir sobre estes aspectos é um aspecto importante a considerar na nossa intervenção educativa.
Em síntese: obviamente que o choque tecnológico está a efectivar-se, mas é importante estudar quais são as suas implicações para o sistema educativo e para a sociedade em geral, já que é impossível compreender o currículo sem uma perspectiva sociológica. Como diz Bernstein não podemos deixar de perguntar qual é o papel da escola no processo de reprodução cultural e social (Tadeu da Silva, 2000, pp.74-80).
Bibliografia:
  • Tadeu da Silva, Tomaz (2000). Teorias do Currículo - Uma introdução critica. Colecção Currículo, Políticas e Práticas. Porto Editora.
  • Miranda, G. (s/d). As aplicações Actuais dos Computadores no Ensino: Taxionomia dos Ambientes de Aprendizagem Informatizados. In: Teorias da Aprendizagem e Aplicações Educativas Programáveis (documento disponibilizado on-line na disciplina Aprendizagem em TIC).

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