Embora a história da humanidade tenha caminhado na procura de tecnologias que facilitassem a realização de actividades por parte do Homem, a sua introdução nos currículos escolares tem percorrido um longo caminho e as mudanças têm sido lentas apesar dos avanços tecnológicos serem cada vez mais rápidos (Siemens, 2008).
No que diz respeito às TIC, registam-se inovações particularmente em três domínios: i) capacidade para criar e partilhar informações e conteúdos; ii) capacidade para conectar e dialogar com outros, independentemente das questões relacionadas com o espaço e o tempo e iii) capacidade para experienciar realidades simuladas.
Como refere Coutinho (2008, p. 5) estes avanços permitem estabelecer e criar novas dinâmicas de interacção que “levam ao aparecimento de comunidades que se apoiam, criticam e reflectem sobre as ideias apresentadas. Muitas dessas ideias constituem pontos de partida para debates, para novas propostas”. Perante estas novas possibilidades tecnológicas “tudo está em mutação, em construção permanente, resultante da interacção de todos, contribuindo activamente para a inteligência colectiva”.
Este conjunto de alterações tem consequências na forma como encaramos a aprendizagem, surgindo novas perspectivas. Sabemos que a aprendizagem decorre das interacções estabelecidas entre um indivíduo e as pessoas existentes nos seus contextos de vida. Por conseguinte, a aprendizagem é, sobretudo, um fenómeno social que pode ser entendido como o resultado da participação de um indivíduo nas comunidades em que se encontra. Esta óptica da aprendizagem enquadra-se nas perspectivas teóricas que referem a aprendizagem como estando intimamente ligada à prática social e inseparável do contexto onde acontece. É, portanto, o resultado de uma prática situada, dado aprender-se através da participação legitimada em comunidades de prática. Nesta perspectiva a aprendizagem é mais do que um processo no qual o aprendiz internaliza conhecimentos quer eles sejam descobertos, transmitidos por outras pessoas ou experienciados através da interacção social.
É importante olhar para a aprendizagem tendo em consideração que acontece em contextos da estrutura do mundo social. Estas considerações tornam-se cada vez mais pertinentes com os constantes progressos registados ao nível das TIC, nomeadamente quando estão são integradas nos currículos dos nossos alunos.
Em síntese, a aprendizagem, o pensamento e o conhecimento resultam da participação das pessoas nas actividades, nas relações aí estabelecidas, emergindo do mundo estruturado social e culturalmente. A participação na prática social é deste modo fundamental para que a aprendizagem aconteça e o conhecimento seja integrado nas vivências das comunidades, sendo inseparável da prática.
Mas o que são comunidades de prática? Que relação existe entre aprendizagem e comunidades de prática? Qual a sua relevância para as aprendizagens dos nossos alunos, sobretudo as realizadas em ambientes de e-learning? Qual o papel das tecnologias neste processo?
Comecemos por analisar o que se entende por comunidades de prática (CoP). Segundo Wenger (1998) CoP são um conjunto de pessoas que têm interesses comuns, as quais interagem regularmente de modo a melhorar as suas práticas e interacções sociais.
Há três características importantes destas comunidades que é importante referir: o domínio (corresponde a interesses em comum dos elementos da comunidade), a comunidade (representa o espaço onde a aprendizagem acontece, tornando-se um grupo de pessoas que interagem de uma forma colaborativa na construção do conhecimento) e a prática (corresponde ao conhecimento organizado resultante da colaboração entre os membros da comunidade e constitui a sua fonte da coerência).
Para além destas características é essencial ainda considerar três dimensões nas CoP que se inter-relacionam, são elas: o empenhamento mútuo, o empreendimento conjunto e o reportório partilhado.
Estabelecendo alguma relação entre esta informação e a aprendizagem pode referir-se que uma comunidade de prática é “uma condição intrínseca para a existência do conhecimento” (Pinto dos Santos, 2002, p.3).
Inerente às experiências que acontecem nas comunidades, verificam-se algumas tensões, como por exemplo: i) a exigência de união (a separação no tempo e no espaço cria dilemas para as comunidades, especialmente quando não é possível aos membros interagir face – a - face) e ii) os relacionamentos entre comunidades e indivíduos (a união, o estar junto é uma propriedade das comunidades, mas é algo que é gerado e experienciado pelos membros individualmente e os indivíduos podem pertencer a mais do que uma comunidade).
Como nos dizem Wenger, White, Smith e Rowe (2005) é importante os membros das comunidades inventarem formas criativas de lidar com as tensões existentes. Este aspecto é ainda mais relevantes quando se analisa uniões mediadas, apoiadas e aumentadas pela utilização de artefactos tecnológicos, já que estes possibilitam:
· a interacção: discussão de assuntos, trabalhar em tarefas específicas, formular questões, etc. para os membros que precisam de se conectar em tempos e espaços diferentes, de uma forma assíncrona ou síncrona;
· as publicações: produção, partilha e armazenamento de artefactos relevantes para a prática, pelo que é necessário organizar reportórios e tornar possível e fácil o seu acesso;
· as tendências: a natureza da união dos membros exige que este procurem encontrar formas de participar pessoalmente, assim como cultivar a sua comunidade – ser capaz de ver a comunidade como sendo uma comunidade.
Verificamos, assim, que as tecnologias podem contribuir para expandir as possibilidades de interacção entre as pessoas, portanto também os nossos alunos, seja síncrona ou assíncrona; bem como para discutir, para gerir a documentação, para partilhar, etc. possibilitando às comunidades explorar o potencial de novas actividades.
Desta forma, a tecnologia pode ser um contributo importante para ajudar a diminuir tensões, a quebrar distâncias existentes entre os membros da comunidade em termos de tempo e de espaço e a construir sentimentos de pertença a uma comunidade.
Na realidade, a emergência de novas ferramentas tecnológicas, nomeadamente o Software Social, oferece novos recursos para as comunidades lidarem com as suas tensões internas. Quando havia apenas ferramentas relacionadas com actividades síncronas ou assíncronas a ponte tinha que ser efectuada pelo utilizador individual. Hoje em dia existem ferramentas designadas de híbridas (ibid, 2005, p. 6) que ajudam os membros das comunidades a lidar com essas pontes, as quais podem ser configuradas e usadas de formas únicas. Essas ferramentas auxiliam ainda a gestão de relações entre múltiplas comunidades. Para que tal aconteça é importante considerar:
· as configurações das tecnologias usadas pelas comunidades e pelos seus membros;
· as plataformas nas quais as tecnologias são integradas;
· as ferramentas que suportam as actividades especificas;
· os aspectos das ferramentas e das plataformas que as torna utilizáveis ou que as distinguem umas das outras.
Estes factores são essenciais dado que usar tecnologias menos adequadas pode tornar muito difícil o funcionamento de uma comunidade. Segundo Wenger, White, Smith e Rowe (2005) a chave do sucesso consiste em centrar-se na comunidade: nas suas circunstâncias, nas suas aspirações, nos seus membros e nas suas actividades.
Há ainda outras condições a ter em atenção relativamente ao uso de tecnologias em CoP, que são: as circunstâncias em que são usadas, o design dessas tecnologias e a sua configuração. Estes aspectos são relevantes na medida em que o processo de adopção de uma determinada tecnologia influenciará o modo como essa comunidade vive a sua prática. Como as comunidades são muito diversificadas também as opções de implementação das tecnologias devem corresponder a essa diversidade, indo do simples para o complexo. Por isso é crucial escolher artefactos tecnológicos adequados às circunstâncias específicas de cada comunidade.
É, ainda, fundamental adoptar o processo de design às circunstâncias específicas da comunidade, de modo a que funcione para todos os seus membros e a ajude a ser sustentável.
Em termos gerais o desenvolvimento de tecnologias para as CoP não difere muito de o fazer para outros fins, pelo que devem ser desenvolvidos e aplicados bons princípios de design de tecnologias, como sejam um design que:
i) torne fácil a sua utilização e aprendizagem,
ii) possibilite a sua evolução a partir do uso dos utilizadores,
iii) permita “estar sempre à mão”,
iv) se centre na perspectiva do utilizador.
Considero que estes quatro princípios assumem especial relevância na reflexão e desenvolvimento de práticas de utilização de plataformas de aprendizagem, como seja o Moodle. Ainda mais porque esta plataforma não foi desenhada com esse objectivo.
Em resumo: é fundamental existirem artefactos tecnológicos que facilitem e medeiem a partilha de experiências entre a comunidade e os seus membros, sendo indispensável existirem formas de comunicação que possibilitem a interacção entre os seus membros, nomeadamente em ambientes de aprendizagem em e-learning, de forma a promover a:
· interactividade – facilite a discussão e a partilha de ideias, bem como o trabalho colaborativo e cooperativo, sem barreiras temporais alargadas,
· partilha – possibilite a produção, a partilha, a distribuição e a recolha de informações que sejam relevantes para a prática da comunidade,
· união - permita criar laços na comunidade, promova a participação activa de todos os intervenientes, para que se sintam como parte integrante de um todo.
Desta forma é possível criar comunidades que sejam espaços de vida e de aprendizagem.
Sobre comunidades de prática recomenda-se a consulta do blogue de Etienne Wenger em http://www.ewenger.com/, nomeadamente http://www.ewenger.com/theory/index.htm.
Para terminar a análise deste tópico colocamos duas perguntas: como podemos integrar as comunidades de prática nos currículos dos nossos alunos? Será que esta possibilidade tem vantagens pedagógicas para todos os alunos? Quais os níveis de ensino que mais benefícos podem ter com a sua integração nas práticas pedagógicas?
Bibliografia:
· Carvalho, A. A. (Org.), (2008). Actas do Encontro sobre Web 2.0. Centro de Investigação em Educação (CIEd). Instituto Educação e Psicologia. Universidade Minho, Braga
· Pinto dos Santos, M. (2002). Um olhar sobre o conceito de ‘Comunidades de prática’
· Wenger, E.; White, N.; Smith, J. D. e Rowe, K. (2005). Technology for communities. CEFRIO Book Chapter.
· Siemens, G. (2008). New structures and spaces of learning: The systemic impact of connective knowledge, connectivism, and networked learning. Actas do Encontro sobre Web 2.0. Centro de Investigação em Educação (CIEd). Instituto Educação e Psicologia. Universidade Minho, Braga